Por que está acabando a água?

Data: 12/11/2014
Nicole B. L. Sigaud.

Desde que as primeiras estradas rasgaram a floresta Amazônica para permitir a colonização, há pelo menos quatro décadas, a floresta vem sendo desmatada. Atualmente a área da floresta foi reduzida em 20% da área original, uma área maior do que França e Alemanha juntas. O desmatamento ocorre principalmente para a abertura de pastagens para o gado (78%) ou áreas agrícolas (especialmente para a cultura de soja), para o corte de árvores, destinadas ao comércio ilegal de madeira, para assentamentos humanos em função do crescimento populacional na região e abertura de estradas.

A Amazônia bombeia para a atmosfera a umidade que vai se transformar em chuva nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, principalmente as chuvas que ocorrem no verão (de longa duração), que são as responsáveis por recarregar os principais reservatórios da Região Sudeste. Isso acontece devido à existência da Cordilheira dos Andes, que barra a umidade trazida do oceano pelos ventos e que acaba caindo na forma de chuva, fornecendo as condições ideais para a existência da floresta. As raízes das árvores sugam a água da terra, e pela transpiração uma árvore bombeia diariamente uma média de 500 litros de água para a atmosfera.

A Amazônia inteira é responsável por levar 20 bilhões de toneladas de água por dia do solo até a atmosfera, 3 bilhões de toneladas a mais do que a vazão diária do Amazonas, o maior rio do mundo. Toda essa água bombeada para o ar forma os chamados “rios voadores”, dos quais inclusive se tem registro em filmagens.

Para comprovar esse dado, basta observar que nas mesmas latitudes do planeta tudo é deserto, menos na América do Sul, pois a tendência dos ventos que vêm dos oceanos é atravessar o continente, de uma ponta à outra. Porém neste caso, os ventos ao esbarrarem na cordilheira, desviam para o Sul.

Contudo, além de estarmos reduzindo a quantidade de árvores que realizam essa função na Amazônia, o que resulta em uma diminuição da umidade que é trazida pelos ventos, no estado de São Paulo, a devastação da Mata Atlântica permite a formação de uma massa de ar quente na atmosfera, que é tão densa, que bloqueia a chegada dos “rios voadores”, já enfraquecidos. Estes ficam represados no céu e acabam desaguando no Acre e em Rondônia, onde foram registradas este ano as maiores enchentes da história.

s chuvas quando acontecem em nossa região encontram solos desprotegidos, devido à devastação da vegetação ou impermeabilizados por concreto e asfalto nas cidades. O solo desprotegido acaba sofrendo, ao longo do tempo, compactação pela expansão e contração, provocada pelo umedecimento (chuvas) e secamento (exposição solar).

Outro fator que gera a compactação do solo é o pisoteio, principalmente do gado nas pastagens e tráfego de máquinas agrícolas e outros veículos. A compactação do solo prejudica a formação das raízes das plantas, dificulta a infiltração da água das chuvas, que abastece os lençóis freáticos, além de favorecer a erosão provocada pelas chuvas, que é o deslocamento de terra devido ao impacto da água. Essa terra solta acaba sendo arrastada pelas águas, que não se infiltraram no solo, para dentro de rios, alterando completamente as características químicas da água. E se o rio sofrer um assoreamento intenso pode secar totalmente, assim como acontece quando se joga mais terra do que água em um balde com água.

Quando se tem plantas (árvores são as que melhor desempenham essa função) protegendo o solo, as folhas e galhos amortecem o impacto da água, e as raízes envolvem a terra mantendo-a firme, evitando a erosão. A água escorre pelos troncos até atingir as raízes, que abrem espaço na terra para a passagem da água, além de fornecer matéria orgânica que é o alimento para os “moradores” do solo (minhocas, insetos e outros), que também abrem túneis para a passagem de água. As raízes absorvem grande parte da água e também a liberam gradativamente, funcionando como filtros vivos, que retiram, isolam ou inativam contaminantes e recarregam os aquíferos, garantindo o abastecimento contínuo das nascentes.

Com a redução da vegetação, a água das chuvas que não infiltra no solo causa enchentes e enxurradas, percorrendo a superfície do solo até ser direcionada para um rio. Quando o rio recebe um intenso volume de água, ocorre o transbordamento e as águas podem atingir tamanha força que podem seguir destruindo tudo pela frente, um exemplo disso é o crescente número de casos de mortes por trombas d’água nos últimos anos. E como os rios seguem em movimento, sendo seu destino o mar, esse volume monstruoso de água passa rapidamente pelas cidades, sem que haja tempo para aproveitá-las.

A maioria das espécies que compõe nossa alimentação hoje em dia não é nativa do Brasil, das 20 frutas mais consumidas somente 3 são nativas, isso sem falar em verduras e hortaliças. Grande parte não é nem do nosso continente, são espécies originárias de outro clima e ambiente. Tomemos como exemplo a alface e o gado, que não são nativos do Brasil, mas são alimentos muito consumidos aqui.

A alface é uma planta que em climas quentes como o nosso, precisa ser irrigada diariamente, em dias de verão pode precisar ser irrigada até mais de uma vez por dia. Enquanto cultivamos a alface, outras plantas que também são comestíveis crescem espontaneamente em nossa terra, mas são consideradas daninhas, pois concorrem com as exóticas (não nativas) que insistimos em plantar. Então arrancamos e destruímos o que é natural da nossa terra, porque queremos cultivar aquilo que cresce na terra dos outros. Sendo que o que é nativo é adaptado ao nosso clima, solo e regime de chuvas, não exigindo assim gasto de água, adubos químicos e agrotóxicos. Já o gado é nativo de uma região mais árida, onde não há floresta, então como queremos criar gado destruímos nossas florestas, para formar pastos e deixar o ambiente aqui similar ao de onde ele veio.

Esses e outros exemplos demonstram nossa grande desconexão com a natureza, além disso, utilizamos excessivamente água, adubo e agrotóxicos, para fazer espécies vegetais que são de época, produzindo fora de época. Nem conhecemos mais a época dos alimentos. Estamos indo totalmente contra as leis da natureza.

Precisamos expandir nossa visão, fomos ensinados a enxergar apenas as partes e estamos cegos para o todo. Por mais que custemos a aceitar, a realidade é: repensar nossa alimentação e postura como consumidores é a atitude mais importante, se quisermos economizar água.

A responsabilidade é nossa, os consumidores são quem direcionam o mercado. A agricultura e a indústria existem para abastecer a nossa demanda, se as pessoas passarem a consumir menos determinado produto, sua produção passa a ser menos lucrativa e então o produtor vai procurar uma atividade que seja mais lucrativa. Se as empresas ou indústrias que estão adotando medidas mais sustentáveis tiverem um destaque maior no mercado do que as demais, a tendência é que as demais queiram seguir a mesma linha.

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