Melhor incentivo para mais patentes é o bolso

Data: 17/11/2014

Para presidente do IPT, ao proteger o mercado, Brasil inibe investimentos das empresas em pesquisa e desenvolvimento


Maior e mais antigo centro de pesquisas do Brasil, fundado há 115 anos, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) teve um papel fundamental no desenvolvimento do parque industrial do Estado de São Paulo.

Transformado em Sociedade Anônima em 1976, o instituto fatura cerca de R$ 100 milhões com a prestação de serviços de análises, laudos, ensaios e assessoria.

Apenas um terço de seu faturamento vem de repasses do governo do Estado. Nos institutos de pesquisas mais badalados dos países desenvolvidos, como o alemão Fraunhofer, o setor público entra com dois terços do orçamento, seja por meio de repasses diretos, seja por meio da contratação de pesquisas.

Mas o sucesso empresarial do instituto, que viu seu faturamento dobrar na última década, impõe desafios à sua capacidade de inovação e renovação, por sua vez de grande importância para a competitividade da indústria.

O faturamento com inovação vem crescendo -saiu de 10% há quatro anos para 20% este ano-, e o plano é atingir 40% até 2018. Leia e entrevista com o presidente do IPT, o engenheiro Fernando Landgraf. (MARIANA BARBOSA)

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Folha - O IPT deve atingir a marca de 65% de receita própria, com R$ 105 milhões, o dobro de uma década atrás. O que explica esse sucesso?

Fernando Landgraf - A marca de 65% é recorde desde que o IPT virou empresa e passou a ter de gerar receita, em 1976. Mas consideramos que há nisso um certo exagero. Ter que faturar tanto para pagar salário prejudica nossa capacidade de preparação para o futuro. Os centros de pesquisa mais badalados, como o Fraunhofer, na Alemanha, têm dois terços de seus custos bancados pelo setor público. Em nenhum lugar do mundo um instituto de pesquisa sobrevive sem recursos do Estado. Investimos apenas 10% do orçamento em projetos que preparem nossas equipes para o futuro, e o razoável seria 20%.

De qualquer forma, a crise que afeta a indústria parece passar ao largo do IPT. Vocês devem crescer quase 6% neste ano enquanto a economia e a indústria patinam.

A gente conversa muito com os empresários, com quem está comprando. E tem ouvido muito essa frase: em momento de crise, temos que investir em inovação.

Não dá pra dizer que todas as companhias estão fazendo isso e que vai continuar ano que vem se a crise piorar muito. Investimento em inovação tem limite. Mas é inegável que um ambiente mais competitivo favorece investimentos em inovação.

As barreiras que o Brasil sempre colocou [ao comércio"> protegiam o mercado interno e afastavam a competição. Mas a China alterou profundamente isso e muitas empresas sumiram. As que ficaram estão investindo mais em P&D.

Será que o investimento total está diminuindo ou na verdade o que está diminuindo é a indústria e as sobreviventes estão investindo mais? Hoje no Brasil há empresas de grande porte com uma postura de inovação muito diferenciada. Gerdau, Braskem, CBMM, InterCement.

Outro motor de investimento em inovação é a questão ambiental, que até pouco tempo atrás era visto como frescura. As empresas estão colocando dinheiro de verdade na questão ambiental.

Quais são as apostas de futuro que o IPT está fazendo?

Estamos conduzindo 40 projetos muito variados. Da alta tecnologia, buscando identificar oportunidades de negócios para daqui a cinco anos em manufatura aditiva (impressora 3D), até uma solução para conter a poluição difusa que vai para o córrego do Jaguaré quando cai a primeira chuva.

Será que tem alguma maneira tecnológica para recolher a primeira água que lava a rua e leva toda a imundice contaminada que vai para o Jaguaré? São extremos de exemplos de pesquisas.

Quais as principais fontes de faturamento para o IPT hoje?

Metade das receitas próprias, cerca de R$ 50 milhões, é venda de serviços metrológicos: análises, laudos, certificados, ensaios. Uma fração disso, que a gente ignora quanto é, corresponde a coisas que serão inovação no cliente. A empresa compra um ensaio para controlar a qualidade de algo que ela está desenvolvendo. Faz parte do nosso plano para 2015 identificar quanto do que a gente vende de laudos está relacionado com inovação.

A receita com serviços de pesquisa em inovação saiu de R$ 1,5 milhão em 2007 para R$ 20,7 milhões no ano passado. A que atribui essa alta?

Há alguns anos identificou-se que o instituto estava investindo muito pouco em inovação e foi criada uma diretoria para trabalhar nessa ampliação. De outro lado, surgiram novos mecanismos de apoio à inovação no país. Um deles é uma linha do BNDES, o Funtec, que admite o uso dos recursos para pagamento da mão de obra.

O IPT é experimento de gestão. Tenho que vender projeto para pagar salário. E o governo brasileiro não está preparado para isso; está acostumado a financiar pesquisa para a universidade, onde o salário está pago.

Há ainda um outro mecanismo criado pelo governo federal que tem alavancado as receitas com inovação: o Embrapii. O IPT está surfando nessa boa onda. Nos últimos quatro anos, o percentual de inovação nas nossas receitas saiu de 10% (2009) para 20%. Nosso plano é, chegar em 40% em 2018. É um enorme desafio. É mudar muito a estrutura do IPT. O que vamos diminuir se quiser aumentar inovação? Estamos discutindo isso aqui dentro da casa.

Como explica o baixo nível histórico de investimento em inovação no Brasil?

Aparentemente, o investimento industrial em P&D não está aumentando. No entanto a gente não vê isso. Ou a nossa experiência é muito particular ou as estatísticas não estão medindo direito. E não são só empresas grandes que estão investindo. A Embrapii está sendo muito procurada pelas menores.

Por que geramos pouca patente?

É chocante, mas propomos pouca patente. O país é pouco inovador e o pequeno número de patentes reflete isso irritantemente. O fato é que não estamos acostumados a fazer isso. Também não estávamos acostumados a publicar artigos, mas bastou o CNPq avisar que a bolsa de produtividade iria depender do número de artigos publicados que a gente conseguiu aumentar enormemente. Se os artigos publicados são bons é outra discussão. Mas se a gente estimular patentes, será que vamos começar a gerar um monte de patente que não serve para nada?

É uma questão cultural?

Acredito que sim. Escrever patente não é como escrever artigo. Tem que ler as patentes que outros fizeram para poder escrever a sua e poder argumentar. Mas ler patente é muito chato. Tem um trabalho que é do pesquisador, só ele é capaz de ler as outras patentes e enxergar onde está a sua invenção. Creio que o melhor incentivo é o bolso.

Leia a íntegra da entrevista e veja o vídeo
folha.com/no1548585

Folha SP


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