FAPESP Week California discute democracia e desigualdade social no Brasil

Data: 19/11/2014
A despeito dos avanços sociais conquistados com a redemocratização, a estabilidade econômica e, nos últimos anos, o aumento da renda dos mais pobres, a desigualdade social no Brasil persiste. Para analisar o problema de forma interdisciplinar e inovadora, pesquisadores reunidos em Berkeley, nos Estados Unidos, durante a FAPESP Week California, discutiram oportunidades de colaboração para pesquisas em Ciências Sociais e estratégias de engajamento popular por meio de novas tecnologias.

O cenário da desigualdade no Brasil foi abordado por Marta Arretche, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.

Arretche apresentou dados utilizados em pesquisas do CEM para ilustrar o histórico da desigualdade social desde a redemocratização. De acordo com a pesquisadora, o auge do problema ocorreu em 1989, quando os mais ricos chegavam a ter renda 70 vezes maior do que os mais pobres.

“Era o final do governo Sarney e o Brasil passava por um momento delicado da sua economia. A partir daí as diferenças de renda vêm caindo sistematicamente, passando pelos planos Cruzado e Real, o crescimento econômico e os programas sociais dos anos seguintes”, afirmou.

Ainda assim, conforme a série histórica apresentada pela pesquisadora, a questão persiste: em 2012, a renda média dos 5% mais ricos era 33 vezes a dos 20% mais pobres.

Arretche alertou para os desafios por trás dos dados. “A desigualdade social no Brasil ainda é muito grande, apesar da elevação da renda dos mais pobres, porque ela não se restringe à questão da renda, mas diz respeito à qualidade de vida e à oferta de serviços essenciais, como saneamento básico e energia elétrica.”

O enfrentamento da desigualdade exige, entre outros esforços de naturezas diversas, o fortalecimento das instituições democráticas. “Nos países desenvolvidos, a democracia não só levou à redução da desigualdade ao longo do século 20 como a manteve em níveis baixos. Nos países em desenvolvimento, esse processo é dificultado pela atuação de instituições problemáticas, por legados sociais históricos e pela própria qualidade da democracia”, disse.

Para a pesquisadora, a redução da desigualdade social não é um resultado direto da democracia, mas “uma combinação de políticas cujas trajetórias são independentes e se desdobram ao longo do tempo”.

O mesmo ocorre com a violência no Brasil, explicou Sérgio Adorno, coordenador do Centro para o Estudo da Violência (NEV), outro CEPID da FAPESP. De acordo com os dados apresentados pelo pesquisador, nas últimas três décadas cresceram substancialmente as taxas de homicídio, de tráfico de drogas e de crimes envolvendo violência doméstica, entre outros.

“As expectativas otimistas para o desenvolvimento da democracia até agora não foram cumpridas: não houve regressão, mas o Estado de Direito continua a ser um objetivo distante”, disse.

Para Adorno, é preciso fortalecer as instituições. “As leis expressam a vontade da população e, em um Estado de Direito, como valor democrático básico, os progressos nesse sentido dependem da legitimidade das instituições que atuam na garantia dos direitos.”

Participação popular

Para o antropólogo James Holston, da UCB, também é preciso fortalecer a participação popular direta na deliberação sobre políticas públicas que atuem na redução da desigualdade e na resolução dos problemas das cidades.

O pesquisador, que estuda fenômenos sociais da periferia de São Paulo desde os anos 1980, apresentou no simpósio em Berkeley algumas inovações desenvolvidas no Social Apps Lab, fundado em 2010 na UCB com o objetivo de criar aplicativos para smartphones e internet que possam ser usados por comunidades na busca por soluções para problemas locais.

“A redução da desigualdade social passa pelo desenvolvimento de cidades mais inteligentes e, para isso, é preciso que elas sejam habitadas por cidadãos inteligentes. É o que buscamos com o uso desse tipo de tecnologia na promoção de ações que envolvam as pessoas de forma participativa nos desafios do desenvolvimento social”, disse à Agência FAPESP.

Entre os aplicativos já em funcionamento está o Dengue Torpedo, um jogo digital que estimula comunidades a identificar e notificar focos de dengue. Os usuários cadastrados ganham pontos a cada notificação, que podem ser trocados por prêmios, e colaboram com a criação de um mapa com os locais apontados.

“Não há vacina para a dengue e o engajamento social é um instrumento poderoso no controle da doença, porque a melhor medida para isso é eliminar os locais em que os mosquitos põem seus ovos. O aplicativo estimula essa cooperação pelo bem comum por meio da tecnologia, aproveitando-se da onipresença dos smartphones nessas comunidades e dos recursos digitais de mapeamento.”

No Brasil, o Dengue Torpedo é utilizado por moradores do complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, que já identificaram por meio do aplicativo mais de 35 mil focos da doença na região. O social app também é utilizado nas cidades de Manágua, na Nicarágua, e Tepalcingo, no México.

Outro aplicativo desenvolvido pelo Social Apps Lab da UCB é o CitySandbox, website concebido para incentivar a colaboração entre vizinhanças na cidade de Berkeley. O serviço combina um mapa da cidade com recursos de redes sociais que permitem que os usuários façam comentários sobre problemas de cada local e planejem ações para solucioná-los.

“Trata-se de experiências que podem ser aplicadas à realidade de cidades brasileiras como São Paulo, cujas comunidades têm amplo acesso a esse tipo de tecnologia e total familiaridade com suas linguagens e, ao mesmo tempo, sofrem com problemas recorrentes de saúde pública, como a dengue, e de violência urbana.”

Participação estudantil

Para fomentar a pesquisa colaborativa nessa e em outras áreas desde a graduação, outra estratégia baseada na internet foi apresentada na FAPESP Week California: o consórcio internacional Student Experience in the Research University (Seru), com sede no Centro de Estudos em Educação Superior da UCB.

Ele foi desenvolvido inicialmente como um sistema de avaliação da experiência estudantil nas diversas instituições que compõem a University of California em Berkeley, Davis, Irvine, Los Angeles, Merced, Riverside, San Diego, São Francisco, Santa Barbara e Santa Cruz.

Em 2006 o sistema se transformou em um consórcio, contando com outras universidades norte-americanas e, desde 2010, está aberto para a participação de instituições de outros países. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) é a única brasileira no grupo.

“Nosso objetivo é ouvir os estudantes sobre sua experiência na universidade para envolvê-los no desenvolvimento de tópicos de pesquisa socialmente relevantes, de forma colaborativa e adequada à realidade local e aos seus anseios”, disse John Aubrey Douglass, um dos criadores do Seru.

A integração de comunidades acadêmicas brasileiras ao consórcio pode facilitar a colaboração entre os dois países, acredita o pesquisador. “Podemos desenvolver, com base nos dados coletados da experiência estudantil brasileira, estudos comparativos que auxiliem na formulação de parcerias. O Seru está aberto à participação das universidades brasileiras.”

Além da Unicamp, compõem o braço internacional do Seru instituições da China, da Holanda, do Reino Unido, da África do Sul, da Rússia e do Japão.

Após as atividades em Berkeley, nos dias 17 e 18 de novembro, a FAPESP Week California continua em Davis, nos dias 20 e 21. A programação completa pode ser acessada em www.fapesp.br/week2014/california.


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